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Um errante em argolas de fumo mesto

sexta-feira, dezembro 26, 2003

Baque

Limpa-me as pegadas que deixei na cozinha. A última inundação provocou-me um curto-circuito e acho que estou doido. Estarei? Não arrisco a dizer nada. Tenho tanto cieiro nos lábios que cada vez que tento articular uma sílaba arranco uma pele.
Olho lá para fora e deprimo-me. Preciso de começar a acreditar em horóscopos ou em jogos de azar… ou então, preciso de trocar estas meias ensopadas. Sinto a garganta inflamada e não consigo engolir um gole de água.
Gosto de ler as palavras que não dizem nada, que dão os braços, apertando as mãos, suportando o peso das ondas – da amizade na queda, abraçada. É bom sentir uma frase a bater no peito – o baque sílabado e soletrado é sempre mais intenso.
A frase a bater no peito
Mais intenso
A frase a bater
A consoante e a vogal
O baque o baque
E a frase a bater
Com peso
Com o peso e a força de uma gota de água no deserto
Com o calor e o frio a partirem os ossos
A frase numa frase
Se o fogo…
Até as lentes se embaciarem e a retina se derreter. Até as lágrimas serem nuvem e os olhos secarem: eu ouvir-te-ei! Darei ênfase a cada vírgula acrescentada, a cada letra balbuciada, proferida num distraio em divagação em forma de reticências mal apagadas.
Serás a fagulha que crepitará, entusiasmada, sempre que te alimentar com uma insinuação de lenha pronta a arder. Serei a fome de fogo que consumirá até à combustão toda e qualquer réstia de labaredas nos teus gestos, faminto
Repito
Faminto.
E então?

quinta-feira, dezembro 11, 2003

Palavras sânscritas

Vi sânscritas palavras de entendimento num papel em carvão.
Transcrevi-as para umas costas – julgo que os caracteres ganham mais vida quando respirados pelos poros – digo que vi, porque não as li mas entendo-as: falam de homens cegos pedindo a mão a homens surdos, que nunca pararão para perceber os gestos de quem só pede cinco minutos de atenção.
Não têm cinco miseráveis minutos?
Vi sânscritas palavras de entendimento num papel em carvão – velino forte.
Palavras que não falavam de ter razão, menos ainda de emoção. Palavras que resistiram ao fogo e que se incrustaram no velino. Palavras desenhadas por mãos firmes, as mesmas que são capazes de estender a palma da mão a um punhal afiado.
Generosidade é calão?
Vi sânscritas palavras de entendimento num papel em carvão, pequenos filamentos de electricidade luzindo harmonia, pequenas partículas de poeira inaladas por quem as lê ou vê.
Sem jogos, sem ilusões, enganos ou burlas. Sem arredondamentos e vírgulas por acertar. Sem equações químicas ou pêndulos sujeitos a atritos. Sem muitas arestas ou muitas linhas cruzadas. Sem horas adiantadas ou mentes atrasadas. E sobretudo sem rigidez.
Vi sânscritas palavras de entendimento num papel em carvão.
E então?

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