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Um errante em argolas de fumo mesto

sexta-feira, janeiro 23, 2004

Falso é o reflexo da seiva

É falso que a figura que vejas diante de ti sejas tu. O teu cabelo não te cobre os olhos assim e o teu nariz não é torto. É perspectiva. Garanto que as árvores respiram azul e consomem orvalho. Garanto que tenham ideias brutas e circulem palavras elaboradas
Clorofila cloroplasto
É falso o reflexo. Falso como uma semente a brotar planta. Falso e eu fico perplexo. A tua natureza não é de reflectir e tu és genuinamente artificial. És um produto inacabado da tua respiração perante uma situação que não controlas: o espelho. És oxigénio e ela, dióxido de carbono… vês a diferença? O ar que inalas é o ar que ela exala
Fotossíntese respiração
É sobretudo da seiva que cresce a forma e se ocupa o espaço. Falso é o reflexo da seiva. As raízes também apodrecem e as suas folhas eventualmente já secaram e é sobre e por isso que o espelho declara a verdade.
.otnapse ed araC
sohlo suem so aracnE
otnarp on

assevertatravessa o teu corpo com um ramo seco e diz-te invertido, subvertido, pervertido, divertido ou talvez nem digas nada porque estarás morto, derramado no reflexo baço de um espelho sujo.
E então?

quinta-feira, janeiro 15, 2004

Desmascara-me

Sou dono de uma expressão de sorriso feio, falso. Sou dono de uma cicatriz que me marca o rosto e dramatiza o olhar. Sou dono de um andar viciado, rotineiro, sei de cor todos os caminhos por onde vou. Sou dono da mentira, dos jogos e da arte de bem aldrabar. Sou uma espécie de foguete na vida de quem me rodeia e a minha luz quase nem se vê. No entanto, sou um espasmo no marasmo, ainda que digas o contrário:
- És uma visão patética – dirás.
- Esta é a visão que eu te ofereço – direi.
As frases saem-me fria e cruamente e sou imune a murmúrios doces e lânguidos… causa-me arrepios a languidez. Eu gosto é de porrada. De ver um homem a ser espancado e uma mulher a ser violada. Gosto quando os olhares ficam esbugalhados de espanto à primeira pancada, invadidos de surpresa. Gosto de ouvir uma pessoa a ganir de dor a cada golfada…

Atende o telefone… estou a escrever…
Lembro-me quando era miúdo e a idade ainda me permitia ver pelos olhos dos outros, de passar a vida a correr. Interessante como os miúdos não conhecem o meio-termo, só querem correr, só querem ser os primeiros e chegar primeiro. Têm pressa de viver. Se soubessem a velocidade a que o tempo corre quando fossem mais velhos, não correriam tanto. Desejariam carregar no pause e suspender a juventude para sempre. Eu só desejo, recuar e fazer o mesmo.
A morte deve-se encarar com uma lágrima que cai até ao sorriso.

E então?

segunda-feira, janeiro 05, 2004

O nome que chamou, não tem pessoa instalada

“O nome que chamou, não tem pessoa instalada.”
Volta a tentar
“O nome que…”
– E agora?
Não sei… pode ser que estejas enganado no nome…
– Não é isso… pouco me importa… o que eu queria era chamá-la por este nome.

Vou desligar a voz, pousá-la numa garganta enrouquecida, esquecida que está agora a hora em que deixaste de ouvir chorar. Conhecias a música que passou ontem na rádio? A que falava de lugares de começo
começo todos os dias de pontos de partida diferentes, sempre com ares diferentes: às vezes rarefeitos, outras demasiado oxigenados, mas sempre me senti refeito. É bom começar os dias assim, ao vento.
Já não queres saber de lágrimas, pois não? Presumo que não. Os tempos são demasiadamente duros para se ter tempo para chorar… mais vale rir. O riso disfarça a dor e quem sofre não chora. É o lugar mais comum do mundo, é a frase-Rossio dos lisboetas.

Se alguém atender, dar-lhe-ei um eterno silêncio.
“O nome que chamou, não tem pessoa instalada.”… Nem imaginas como isso é bom de ouvir… flutua comigo, anda!
Dá-me uma lista… quero chamar outro nome… esquece isso... qual é o nome do teu âmago? Agora chamo-te a ti.

E então?

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